12/05/2015

chefe
Galicismo. Do francês chef, aquele que está à frente de qualquer coisa (Houaiss, 2009). Em português, se usava cabeça e, em tempos recuados, não se fazia caso da pureza da linguagem nem havia o horror aos galicismos que afetou muitos homens de letras de até recentemente. Antes do século XVIII, os galicismos eram raros porquanto as relações com a França eram menos correntes que nos tempos modernos e a língua francesa era em geral desconhecida em Portugal. Mais recentemente, o termo chefe veio a constar da língua portuguesa em expressões como chefe de família, chefe de estadochefe de repartiçãochefe indígena, talvez porque o termo cabeça, anteriormente mais usado, levanta atualmente a ideia de pessoa que dirige desordens e rebeliões (Said Ali, Meios de Expressões e Alterações Semânticas, 1951. p. 117).
 
Simônides Bacelar
Brasília, DF

04/05/2015

Sobre a palavra âmbito
Nem sempre é simples fazer afinadas distinções entre os significados de uma palavra, pois estes são o total da soma de todos os seus usos em uma língua. É fácil, então, verificar que é impossível registrar cada um dos usos de cada palavra em qualquer língua. Mesmo o mais volumoso dos dicionários pode sequer arranhar a superfície das significações das palavras (Laurence Urdang, The Basic Book of Synonyms and Antonyms, New York, Signet, 1978, p. VII,). 
Em outras palavras:
“Chega mais perto e contempla as palavras
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
E te pergunta sem interesse pela resposta
Pobre e terrível que lhe deres: - Trouxeste a chave?”
(Carlos Drumond de Andrade)
No entanto, a proposição de usar termos porque “todos usam assim”, que “é como todos dizem” tem justificativas lógicas, mas dá arrimo e moral a uma cadeia de imperfeições e ao compromisso com o defeito, e dificulta a busca e a aplicação de aperfeiçoamentos de linguagem, atitudes que contrariam princípios científicos que regem esse tipo de redação formal.
O hábito de consultar dicionários ou textos de linguística pode trazer muitas surpresas a respeito do que está por trás das palavras. O que segue sobre o nome âmbito pode ser um exemplo curioso.
O sentido próprio de âmbito é espaço que circunda, rodeia, envolve; periferia. Do latim, ámbitus, movimento circular, caminho em volta de, circuito, contorno, rodeio. Ámbitus era uma área que os antigos romanos eram obrigados a deixar em volta de suas casas; de ambire, andar em volta, circular; de am (preposição) – que indica em volta de, à roda de, de um e de outro lado, duplo –, usada em compostos em forma de ambi, ambe e an (A. Ferreira, Dic. Lat. Port., 1996; Houaiss, 2009).
Sinônimos e termos análogos: abrangência, alçada, ambiência, ambiente, ambitude, área, arena, arredores, atmosfera, campo, campo de batalha, cancha, cenário, cercanias, círculo, circunferência, circunjacência, circunscrição, clima, contexto, contorno, departamento, dependência, dimensão, domínio, entorno, escopo, esfera, espaço, extensão, giro, horizonte, limites, local, lugar, meio, mundo, órbita, panorama, periferia, perímetro, plano, ramo, recinto, redondezas, região, reino, roda, seção, setor, sítio, terreno, território, universo, zona.
Termos cognatos ou conexos: ambíguo, ambitude, ambos, ambulação, ambulador, ambulância, ambulante, ambular, ambulativo, ambulatório, deambular, deambulatório.
Nesse contexto, pode-se notar que nem sempre o sentido próprio é aquele entendido pelos falantes de um idioma. Nesse caso, a lei do uso prevalece. No entanto essa proposição não pode ser a adequada ou a melhor para denominações de termos técnicos ou científicos no uso formal, porque levanta questionamentos razoáveis e contraria as normas que organizam a redação técnica e científica. Se não houvesse essa organização, o uso das palavras correria  livremente com sentidos por vezes contrários, ambíguos, confusos, obscuros que obrigariam os revisores  pedir que cada autor explicasse o sentido dos termos que usa em um relato científico e o acrescentasse no texto para que os diversos leitores e pesquisadores interessados compreendessem melhor. Essa é uma das principais razões da existência de um padrão linguístico redacional, conforme listo em sequência copiados de vários livros sobre o tema do sentido próprio ou denotativo das palavras em redação científica:
Não há sinonímia perfeita, sabemos todos (Josué Machado, Língua sem Vergonha, p 21, 2011).
Se a precisão da linguagem é necessária a todos, ela é imprescindível aos pesquisadores e cientistas, já que a imprecisão é incompatível com a ciência (Saul Goldenberg, Publicação do trabalho científico: compromisso ético. Acessível em http://metodologia.org/wp-content/uploads/2010/08/saul_etica.PDF p. 5, consultado em 16-1-2015).
Nos trabalhos científicos, emprega-se a linguagem denotativa, isto é, cada palavra deve apresentar seu sentido próprio, referencial e não dar margem a outras interpretações (Maria Margarida de Andrade, Introdução à Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Atlas; 2003, p. 101).
Não se deve olvidar que a precisão e a clareza são supremos requisitos do bom dizer (Mário Barreto, Fatos da língua portuguesa, 1982, p. 211).
A denotação, a objetividade, a simplicidade, a formalidade, a precisão, a clareza, a coerência e a harmonia são características predominantes do estilo técnico (Lúcia Locatelli e colaboradoras, Redação: o Texto Técnico Científico e o Texto Literário, ed. UFSC, 1994, p. 12).
A maior parte de nossas dissenções e antagonismos provém da interpretação que damos às palavras (A. Einstein).
A exploração do valor conotativo das palavras não é apropriado ao enunciado científico. Nele, os vocábulos devem ser definidos e ter um só significado. Num texto de astronomia, lua significa satélite da Terra, não o astro dos enamorados (Clair Alves, especialista em Linguística Aplicada, pela PUC, professora de Semiótica, Universidade da Região de Campanha, Rio Grande do Sul,  A Arte de Escrever Bem, p. 61, 2008).
O uso próprio é particularmente substancial na linguagem técnica e científica. António Matoso. Dicionário de gramática da língua portuguesa. Coimbra, Portugal: Quarteto; 2003. p. 281.
Seja rigoroso na escolha das palavras no texto. Desconfie dos sinônimos perfeitos ou de termos que sirvam para todas as ocasiões, Em geral, há uma palavra para definir uma situação (E. Martins Filho, Manual de Redação e Estilo – Estado de São Paulo, 1996, p. 17).
Todos experimentam equívocos e ambiguidades quando se atribuem distintos significados ao mesmo signo ou palavra (Marta Cristina Biagi, Pesquisa Científica: Roteiro Prático para Desenvolver Projetos e Teses, Curitiba: Juruá, 2012, p. 26).
Para o homem de ciência, para o homem de laboratório, tão exato e preciso deve ser o raciocínio quanto exata e precisa a expressão falada ou escrita em que ele se exterioriza; o descuidado, o confuso e o impróprio significam certamente o desconcerto e a confusão do pensamento (Clifford Allbutt, apud Plácido Barbosa, Dic de terminologia médica portugueza, p. 6, 1917).
A representação científica de um trabalho deve ser o mais didática possível e ter estilo simples, claro, preciso e objetivo (Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos. Técnica de Pesquisas, 7.a ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 222).
Dada a multiplicidadede sentidos que assumem as palavras conotativas recomenda-se  – na elaboração do escrito científico – o emprego exclusivo de palavras em seu sentido denotativo (Lucie Didio, Como produzir monografias, dissertações, teses, livros e outros trabalhos,  São Paulo: Atlas, 2014,  p. 58).
Defina sempre um termo ao introduzi-lo pela primeira vez. Não sabendo defini-lo, evite-o. Se for um dos termos principais de sua tese e não consegue defini-lo, abandone tudo. Enganou-se de tese ou de profissão (Umberto Eco. Como se Faz uma Tese. São Paulo: Editora perspectiva, 1998, p. 119).
Acredito que as qualidades básicas da boa redação científica são a exatidão e a clareza. Não se deve usar termos técnicos sem conceituá-los ou palavras difíceis em vez de palavras fáceis com o mesmo sentido (Mirian Goldenberg, A Arte de Pesquisar, Rio de Janeiro: Record, 1997, p 98).
O texto deve ser redigido de maneira clara e concisa, seguindo a ortografia vigente, evitando o uso de jargões ou modismos considerados inadequados ou errados (Unesp, Normas para Publicações, 1994).
Uma palavra bem escolhida pode economizar não só cem palavras, mas cem pensamentos (Jules Henri Poincaré, 1854-1912, matemático, físico e filósofo francês da ciência).
A mais comum das funções da linguagem é a que se volta para a informação. A intenção é transmitir dados da realidade de forma direta e objetiva com palavras em seu sentido denotativo (José de Nicola, Língua, Literatura & Redação, 7.a ed., São Paulo: Scipione; 1994, p. 33).
A frase tem de ser construída de tal forma que não só se entenda bem, mas que não se possa entender de outra forma (Iñigo Dominguez, escritor e jornalista espanhol).

Simônides Bacelar
Brasília, DF