03/12/2014

Cordão espermático ou funículo espermático?

Cordão espermático é expressão consagrada na comunidade médica, mas a Terminologia Anatômica (2001) traz funículo espermático, denominação mais apropriada, uma vez que funículo é de procedência latina, funiculus, corda pequena, de funis, corda. Cordão é um galicismo; de cordon, diminutivo de corde, corda. Se os nomes científicos são, de regra, tomados do grego e do latim, é útil considerar essa tradição, particularmente em comunicações científicas formais.

Contudo, os linguistas em geral dizem com razão que todas as formas existentes na língua são patrimônio do idioma por contribuírem para a comunicação entre os falantes, principal função das línguas. Nesse contexto, funículo espermático e cordão espermático são termos legítimos em português, assim como se diz cordão umbilical. Recomenda-se usar funículo espermático como termo preferencial em situações formais, pois é o nome escolhido pela Sociedade Brasileira de Anatomia. Mas sem inflexibilidade, pois o uso da língua é um domínio essencialmente público e as variações fazem parte deste.

Em muitos casos, os descritores usam os termos de acordo com o uso geral, que expressa a realidade da língua. Se houver nas palavras-chave apenas os termos acadêmicos e eruditos indicados formalmente, muitos artigos que contêm apenas os termos geralmente usados entre os médicos e outros profissionais serão ignorados pelos pesquisadores que recorrerem apenas aos nomes formais. Se, por exemplo se só houver funículo espermático em um trabalho, seu autor vai correr o risco de não ser acessado por muitos leitores que só conhecem o termo cordão espermático e é este que naturalmente vão usar para achar artigos sobre o tema. Assim, a função de divulgar o artigo para os devidos efeitos vai ficar frustrada. Por isso, recomenda-se usar nas palavras-chave os nomes indicados pelos descritores, mas nos textos se pode deixar os indicados formalmente ou oficialmente pelas sociedades de especialidades, mas sem radicalizar, ou seja, também se deve deixar duas ou três vezes o nome usado mais comumente.

Adotar como nomes técnicos científicos termos imperfeitos ou questionáveis, sobretudo fora do âmbito legal ou oficial, pode ser complicado, embora justificável por amplo uso. O ideal seria que os descritores usassem e divulgassem também os termos formais, legais ou oficiais ao lado daqueles habitualmente ou tradicionalmente utilizados na literatura. Talvez seja apenas uma questão de atualizar com acréscimos as palavras-chave entre os descritores.
 
Simônides Bacelar
Brasília, DF

04/03/2014

Meta-análise – metaanálise -- meta análise – metanálise


Recomendável: metanálise, forma oficial, grafia única presente no  VOLP (Voc. Ort., Academia Bras. Letras, 2009). A elisão da letra a e a raiz met- com o mesmo significado de meta está registrada noAurélio, no Houaiss e em outros dicionários de referância. Há exemplos a montão de termos com essa elisão, que legitimam metanálise: metemoglobina, metempsicose, metemptose, metencéfalo, metonímia, metonomásia, métopa.

O termo mais usado é meta-análise, como se depara nas páginas de busca da internet. Em uma delas, Google Acadêmico, registram-se 6.970 ocorrências de metanálise e 11.300 de meta-análise. No site BVS nos textos em portugues, há 26 grafias de metanálise e 9 meta-análise (acesso em 1.o-3-2014). A forma hifenizada tem forte influência do inglês meta-analysis, o que mostra uma tendência dos tradutores com base em textos originais naquele idioma. De acordo com a nova reforma ortográfica o termo meta-análise obedece à regra de não haver repetição das mesma vogais entre um afixo e o componente seguinte: em lugar de metaanálise, se escreverá meta-análise. Em vez de antiinflamatório, anti-inflamatório. E oportuno acrescentar que a reforma não foi ainda aprovada como obrigatória pela presidência da República que adiou para este ano sua avaliação final. Contudo, de acordo com as disposições gramaticais correntias, o prefixo meta- liga-se sem hífen ao termo seguinte (Folha de São Paulo. Novo manual de redação. São Paulo: Folha de São Paulo; 1992. p. 262; Luft CP. Novo manual de português: gramática, ortografia oficial, redação, literatura, textos e teses. 8 ed. São Paulo: Globo; 1990. p. 205; Kury AG. Para falar e escrever melhor o português. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1989. p.55).

À luz das disposições gramaticais correntes, meta análise e metaanálise são composições irregulares, pois não é de norma usar um termo de composição como nome autônomo e, conforme o novo acordo ortográfico, separa-se com hífen a união de duas mesmas vogais em um mesmo vocábulo pertencentes a afixos distintos, salvo algumas exceções (coordenar, cooperar e outros). Essa regra justifica meta-análise.

Acrescenta-se que a simplificação com o encurtamento dos termos, no caso de metanálise, é recomendação comum e tendência habitual em redação científica, com numerosos exemplos espalhados no idioma. 

É comum a omissão da última vogal de um elemento de composição quando o termo seguinte é iniciado por vogal: gastrenterite, pancreatectomia, esplenectomia, parenteral. Metanálise e meta-análise são formas existentes na linguagem, o que as torna fatos da língua e, daí, serem plenamente usáveis. Contudo, como a forma legal e oficial é metanálise, oficialmente indicada no Volp, convém adotá-la como preferencial em comunicações formais, sobretudo como nome técnico de um tipo de revisão sistemática científica sem que as outras formas sejam rejeitadas e apontadas como erradas. Considera-se que seria questionável o uso preferencial é técnico ser desconforme à norma de lei. Penso que mais seguro ficar ao lado dela. Pode ser que mude.

Simônides Bacelar
Brasília, DF

16/02/2014

Bel-prazer  bel prazer – belprazer

Grafias existentes na língua escrita, como se vê nas páginas de busca da internet. No entanto, a forma hifenizada, bel-prazer, é a que consta dos dicionários de referência, a única que se registra no Volp (Academia Bras de Letras, 2009), forma então preferencial, sobretudo em situações formais. Forma apocopada de belo prazer (Aurélio, 2009).

E possível justificar todas as três grafias, mas é recomendável selecionar uma delas para o uso formal. .

Compare-se com Belterra, contração de Bela Terra, cidade do Pará (gentílico: belterrense),  Belmonte (gentílico: belmontense), nome de cidade da Bahia ou de uma vila em Portugal onde nasceu Pedro Álvares Cabral, também nomes de vários municípios espanhóis e de várias comunas da Itália, bem como de sobrenome de pessoas, talvez apócope de belo monte.

Também: belamarina, belarte, beldade, beletreação, beletreado, beletreante, beletrar, beletrismo, beletrista, beletrística, beletrístico, belver, belveder ou belvedere.

Bons dicionários trazem bel como belo, formoso, apócope de belo, como o da Academia das Ciências de Lisboa (2001), o Houaiss (2009). Antigos dicionários trazem a forma bel prazer, como em Moraes (1813) e Constâncio (1845). O Diccionario Contemporaneo da Língua Portugueza (1884), de Lopes e colaboradores, informa que bel, contração de bello, tem uso principalmente na poesia, como em A. Garret: Ouvirás um bel cantar (Conde Nilo, em: Romanceiro, A. Garret). Assim, a hifenização em bel-prazer parece ocorrer como exceção.

Simônides Bacelar
Brasília, DF

26/01/2014

Ostomia, ostoma, estoma ou estomia?


Ostoma e ostomia são nomes não alinhados às regras de transmudação do grego para o português. Estomia e estoma são os indicados por essas normas.

Nas formações oriundas do grego e do latim, usa-se o e prostético (não “o”) antes de termos iniciados por s, seguido de consoante:species > espécie, stilus > estilo, spatium > espaço, stómachós > estômago, stoma > estoma. De fato, em português, as derivações destóma, boca em grego, são feitas com e (estoma), não o (ostoma), quando inicia palavra: estomalgia, estomatite, estomódio.

Em colostomia, por exemplo, há três elementos: colo+estoma ou stoma+ia. Assim podem ser também decompostos os nomes vesicostomia, ileostomia, nefrostomia. Em comparação, não se diz “fazer oscopia”, tendo em vista histeroscopia, otoscopia, colonoscopia. Diz-se, então, escopia.

Nos dicionários, não há ostomia, nem ostoma, embora possam esses termos ali aparecer um dia por serem muito usados.

Fruto da metodologia linguística, estoma é o nome regular, autônomo e existente nos dicionários: em anatomia – orifício ou poro diminuto; em cirurgia – abertura na parede abdominal por meio de colostomia, ileostomia; abertura entre duas porções do intestino (Dic. Houaiss, 2009).

Estoma e estomia não são sinônimos.

Estoma é orifício ou abertura: estoma intestinal, estoma ureteral direito, estoma distal (ou proximal) da colostomia. Nesse sentido, embora sejam raras as grafias colostoma, ileostoma e similares, é mais apropriado dizer: O colostoma está sangrando. O faringostoma está bem posicionado. O ureterostoma é estenótico. Feito sigmoidostoma duplo. Há faringostoma e ureterostoma em português; colostoma e sigmoidostoma ocorrem no inglês e em outros idiomas.

Estomia, pelo sufixo -ia, por sua vez, denota condição, afecção em que há estoma. Exemplos: O doente controla bem sua colostomia. Protocolo de esofagostomia.

Os dicionários comumente omitem estomia como nome autônomo, mas está na literatura: “O atrativo da técnica é a presença de única estomia” e “Verificou-se a ocorrência de dermatite periestomia”; “efluente líquido das estomias” (A. Lopes e cols., Braz J Urol, v. 27 (suppl. 1), 2001, p. 159); “Estomias e drenos veiculam secreções digestivas e secreções purulentas” (Margarido & Tolosa, Técnica Cirúrgica Prática, 2001, p. 155). Assim, é recomendável usar estoma e especificar: estoma ileal, estoma esofágico.

Ostomia e ostoma são, portanto, irregularidades gráficas. Termos derivados estão na literatura, como ostomizado e osteoma. Mas, do exposto, ostomizado é neologismo mal formado e inexiste nos dicionários. Estomizado seria melhor. Ostomisado é grafia incorreta de “ostomizado”. O verbo ostomisar já aparece no âmbito hospitalar. Osteoma, em lugar de estomia, é forma ruim, já que osteo indica osso.

Dessas análises, considera-se que ostomia e ostoma por existirem na literatura não sejam termos errôneos no sentido linguístico da comunicação. Mas, por sua formação vocabular mais bem estruturada, as formas estoma e estomia tornam-se preferenciais em comunicações científicas protocolares.

Simônides Bacelar
Médico, Hospital Universitário de Brasília, UnB

07/01/2014

Daltonismo

Termo popular procedente do antropônimo John Dalton (1766-1844), físico, metereologista e químico inglês, que tinha esse distúrbio (Houaiss, 2009). O termo técnico científico é discromatopsia, também discromatismo e deuteranopia. Daltonismo é uma discromatopsia que originalmente designava abolição da visão das cores vermelha e verde, mas atualmente é empregado para indicar deficiência de visão de outras cores (Climepsi, Dic Médico, 2012).

Certos grupos indígenas brasileiros e de antigos gregos enxergavam o azul como preto, caso especial que se denomina acianoblepsia (P. Pinto, Voc Méd e de Outras Naturezas, 1944, p. 87) ou acianopsia; do grego kyanós, azul-escuro e blépsis, visão.

John Dalton foi um dos primeiros cientistas a defender a existência dos átomos. Como metereologista fez suas observações com instrumentos elaborados por ele mesmo. Publicou o livro Meteorological Observations and Essays. Elaborou também  
teorias sobre o vapor d'água e misturas gasosas e criou a conhecida lei  (1801) sua lei das pressões parciais: "Em mistura de gases, cada componente exerce a mesma pressão como se fosse única no recipiente que a contém". As moléculas gasosas não se atraem ou se repelem; o ar é uma mistura homogênea de gases.

Como químico, Dalton elaborou a primeira tabela de pesos atômicos (1803). Foi premiado com a Medalha da Sociedade Real por sua teoria atômica, já amplamente difundida na comunidade química.

Dedicou-se também a estudos sobre sua doença. Em 1794, publicou o ensaio  Extraordinary facts relating to the vision of colours em que exibiu a natureza sistemática e meticulosa de sua pesquisa, o que foi vastamente reconhecido, de modo que  daltonismo se tornou  nome comumente usado para designar a doença (The New Encyclopaedia Britannica, v. 3, 1988).

Simônides Bacelar
Brasília, DF