31/12/2013

Policial - agente policial

O termo técnico contido em documentos oficiais e diplomas legais é agente policial, como se vê nas páginas de busca da web e como se verifica em resolução da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo a respeito de cargos da Polícia Civil, URL: http://www.aipesp.com.br/juridico.asp?id=412, e na Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo (http://www2.policiacivil.sp.gov.br/x2016/modules/smartsection/item.php?itemid=143).

O termo agente de polícia é também expressivo como termo técnico e poderia ser usado em situações formais.

"Policial" é um adjetivo em seu sentido próprio, denotativo, mas agente também é um adjetivo em seu sentido principal, isto é, aquele ou aquilo que age, o que faz agente policial ou agente de políciatermos imperfeitos. Mas, à mingua de um nome adequado, um substantivo que substitua adequadamente "policial", nome conotativo de cunho popular, agente policial é nominação mais adequada para constar em situações cerimoniosas ou formais. 

Reconhece-se que "policial" tem mais força expressiva, por ser amplamente entendido como pessoa que trabalha na polícia geralmente armada, encarregada da manutenção da ordem e da segurança dos cidadãos, com atuação sobretudo nas ruas. Mas como nome técnico ou oficial do cargo ou da função, ou da profissão é questionável. O emprego de uma palavra fora de sua classe gramatical tem um nome: derivação imprópria [. . .] Imprópria por que foge da característica, do padrão da língua, ou seja, a palavra é empregada fora do seu padrão habitual (Gold Editora, Dicionário da Língua Portuguesa Comentado pelo Professor Pasquale, 2009, p. 15) a respeito do termo manifestação monstro, em que o último nome é usado como adjetivo.

A utilização de adjetivos como substantivos pode enfraquecer seu sentido, já que implica dependência de um substantivo que lhe completa o sentido. Adjetivo é classe de nomes que qualificam substantivos, como está nas gramáticas. O uso de adjetivos como substantivos amortece seu sentido que resulta incompleto e muitas vezes dúbio.

Sabe-se que um dos fatos mais frequentes na história da língua é a mudança de categoria dos nomes (Ribeiro, s.d., p. 94). A propensão de substantivar adjetivos para simplificação do vocabulário (lei do menor esforço) é trivial na língua desde o latim vulgar, em que se usavam aestivus (estio), por tempusaestivus; veranus (verão), por tempus veranuspersicum (pêssego) por persicum pomum (fruta persa) (R. Léllis, Português no Colégio, 1970, p. 58), de via strata ficou estrada, de meia calça, ficou meia, de terra pátria, ficou pátria (do pai). Curioso observar que o próprio nome substantivo é um adjetivo e é só essa sua classificação registrada no Voc Ort da L Portuguesa, da Acad Bras de Letras (2009).

O uso de substantivação de adjetivos é comum e não se considera como erro, pois é útil para nomear numerosos casos consagrados cujos substantivos correspondentes são de difícil entrosamento com o nome original: ácido, negativo (imagem fotográfica de sombras invertidas), soldado, ouvinte, profissional, preservativo, conservante, comprovante. Em medicina, há médico, lavado (peritoneal, gástrico, vesical), concentrado (de hemácias, de plaquetas), diário (miccional). 

No entanto, usar as lexias em suas funções sintáticas próprias é favorável à precisão dos nomes científicos. A citação do substantivo correspondente ao adjetivo sempre que possível, demonstra organização de algo completo, atitude própria da ciência. Na sequência, alguns exemplos com respectivas complementações ou substantivos adequados: a íntima dos vasos (camada); adesivo/a (papel; fita); antimicrobiano (agente; droga); às três (horas) da tarde; aspirado (material) de medula óssea; berçarista (médico); branco; preto (de cor; indivíduo); catedral, pastoral, matriz (igreja); circular (carta); clínico (médico); cortical (camada) da suprarrenal; deferente (ducto; canal); deltoide (músculo); diagnóstico (diagnose); editorial (artigo); Física; Química (Ciência); hioide (osso); humano (ser humano); indicativo (indicação); instrumental (instrumentos); italiano; francês; português e demais (idioma); locomotiva (máquina); mural (quadro); no final (no fim); no intraoperatório (período); oculista (médico oculista); oficial (agente; militar); ordenado (remuneração); policial (agente), parasita (indivíduo – qualquer espécie); patógenos (germes; agentes); plantonista (médico); plástico (material; matéria plástica); pré-natal (exame pré-natal; período pré-natal; assistência médica pré-natal); pré-operatório (período); profissional (agente); reta; curva (linha); suicida. (indivíduo; paciente); tireoide (glândula); vernáculo (português vernáculo); zoológico (jardim; parque).
Por amor à organização e ao aperfeiçoamento redacional é de boa conduta, sempre que for possível, buscar o substantivo adequado correlato ao adjetivo em uso. Em lugar de, por exemplo, “O medo é um limitador de condutas”, pode-se dizer: O medo é um processo psíquico limitador de condutas.
Por analogia, compreende-se que a adoção de abreviaturas ou termos sintéticos com uso de um adjetivo para economizar termos completos é justificável e característico da língua geral, sobretudo em textos informais e próprios em rascunhos. O uso de formas completas é indicado em situações formais como cuidado à clareza, sobretudo em documentos e comunicações científicas. 

Simônides Bacelar

Brasília, DF 

11/12/2013

Psiquiátrico

Em rigor sêmico e em sentido próprio, psiquiátrico significa relativo a psiquiatria e este nome significa atividade (ia) médica (iatros) da psique (humana no caso). Psiquiatra quer dizer literalmente médico da psique, mas na prática, médico que se ocupa do diagnóstico, da terapia medicamentosa e da psicoterapia de pacientes que apresentam problemas mentais como está nos dicionários.
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É natural da língua comum ou geral haver modificações figurativas ou por extensão dos nomes. No entanto, em redação científica ou por escolha própria de um autor, pode-se usar esses termos em suas denotações ou sentidos próprios sem ser necessário usar orientações pernósticas, puristas, com uso de preciosismos ou empolamentos. Exemplos:

Consultei um psiquiatra (em lugar de médico psiquiatra, expressão redundante).
Psicose é uma psicopatia (em vez de doença psiquiátrica, que etimologicamente vai significar doença do psiquiatra),
Manifestações psico e encefalopáticas ou até psicossomáticas (em lugar de sintomas psiquiátricos, que também se refere a sintomas do próprio psiquiatra).

Infelizmente inexiste o nome psicoencefalopatia em referência a distúrbios psíquicos decorrentes de doença encefálica, casos comumente submetidos a cuidados psiquiátricos.

Não é errado usar formas populares, figurativas, por extensão ou de sentido implícito em que se diz uma coisa que significa outra, pois essa é a natureza própria de todas as línguas e todas as formas são patrimônio do idioma e têm seu valor. O que se questiona é o uso técnico ou científico de nomes imprecisos, imperfeitos como termos preferenciais, sobretudo por imposições que possam impedir aperfeiçoamentos que seriam benéficos aos usuários que adotem essa orientação.

Simônides Bacelar

Brasília, DF .  
Ardor – ardência

Em medicina, ardor à micção é de longe a expressão mais usada em cotejo com ardência à micçãoou dor à micção  como se verifica nas páginas da web. É curioso observar que ardor tem sentido próprio de sensação de calor forte e, por extensão, sabor picante de certas substâncias. Em sentido figurativo, amor intenso, paixão, entusiasmo, energia, qualidade do que brilha ou fulge conforme  se vê em dicionários de envergadura como o Houaiss e o Aurélio. Relacionada a queimor, sensação de queimadura. Do latim ardor, calor, quentura, ímpeto, sentimento violento (Houaiss, 2009).

Ardência é sinônimo de ardor, mas seu sentido próprio é qualidade do que arde ou queima, do que fica em chamas. Também em sentido figurativo, vivacidade, entusiasmo.

Tais sentidos figurativos  poderiam provocar acepção ambígua, por exemplo, da expressão urinar com ardor, de sentido duplo,  em comparação com urinar com dor, de sentido exclusivo. 

Assim, ardor e ardência têm sentidos conexos a sensação de quentura ou queimadura causada por forte calor procedente do fogo ou de outra fonte produtora de calor semelhante. A expressão dor à micção é mais apropriada pela definição de dor em medicina, de sensação desagradável, produzida pela excitação de terminações nervosas sensíveis, em sentido amplo, independente da fonte causadora.

A sensação de queimor é também devida a sensibilização de terminações nervosas, mais conexa ao fogo. A dor é conexa à própria sensação nervosa, em acepção geral, o que lhe dá tecnicamente a preferência de uso, sem significar que as duas outras expressões sejam discriminadas, tendo em vista o uso e a clareza de significação de ambas no contexto em que são utilizadas. Trata-se apenas de uma atenção ou opção ao aperfeiçoamento dos usos em registros técnicos. 

Simônides Bacelar
Brasília, DF

04/12/2013

Relógio de pulso. Expressão de sentido errôneo, de cunho popular, consagrada pelo uso. A menção relógio de punho é mais precisa, preferível em registros técnicos, como se verifica naweb em milhares de exemplos:
 
A Sony está lançando, nos Estados Unidos, um relógio de punho com conexão à internet
 
Relógio de punho analógico quartz
 
A polícia apreendeu dois celulares, uma balança de precisão, a quantia de R$ 300, um relógio de punho, um cordão de ouro com pingente...
 
A empresa Timex o relógio de punho Timex Expedition WS4 para aventureiros e praticantes de esportes.
 
Em rigor anatômico, punho e pulso são entes distintos, como se pode confirmar nos dicionários médicos. Punho é a parte do membro superior entre o antebraço e a mão (Aurélio, 2009). Pulso é batimento sanguíneo sensível em várias partes do corpo incluso o punho (Aurélio, idem).  
 
Em rubrica eletrônica, pulso indica mudança abrupta e momentânea em corrente ou voltagem ou outra grandeza elétrica que se encontre em um nível constante; impulso (Houaiss2009). Nesse caso, existem de fato os relógios de pulso, isto é, relógios eletrônicos chamados popularmente de relógios digitais, em que se usa energia elétrica procedente de uma bateria de pequena carga, que produz pulsos elétricos de freqüência constante, um pulso por segundo, que mostram as horas em um visor de cristal líquido.  São também chamados de relógio de pulso elétrico, como se verifica em milhares de registros na web.
 
Em comunicações, informais justifica-se usar expressão "relógio de pulso", pois é assim que "todo mundo diz",. Mas em referências científicas ou técnicas, convém acolher os nomes adequados. 
 
"Se a precisão da linguagem é necessária a todos, ela é imprescindível aos pesquisadores e cientistas, já que a imprecisão é incompatível com a ciência" (Saul Goldenberg,www.metodologia.org, p. 5).
 
Simônides Bacelar
Brasília, DF

30/11/2013

no ano de. As expressões no ano de, no dia, no mês de são dispensáveis, ante o princípio da concisão em textos científicos. Em lugar de: "A equipe realizou a pesquisa no ano de 2000", pode-se dizer:  A equipe realizou a pesquisa em 2000. Também se dispensam as expressões análogas "durante o ano (mês) de" ou "durante o dia (século)".  

Simônides

22/11/2013

Maioria absoluta. Em rigor, significa todos ou tudo, sem exceções, uma vez que absoluto é o mesmo que estado ou qualidade em seu grau extremo. Pode-se dizer quase todos se a referência for esta (v. absoluto). Em textos científicos, maioria absoluta deve significar tudo ou todos, sem exceção. O termo maioria implica a existência de uma minoria, o que dá à expressão “maioria absoluta” um aspecto enfático bem entendida por sua consagração como fato da linguagem. Por seu extenso uso, torna-se expressão legítima. Mas o sentido de totalidade da lexia absoluto indica imperfeição em seu uso nessa expressão. O termo quase todos é inquestionável quanto ao seu significado.

16/11/2013

NENHUM E QUALQUER

Muitas dúvidas têm ocorrido a respeito do uso de qualquer em lugar de nenhum em frases como:Não há qualquer dúvida. Estamos sem qualquer receio de ocorrer complicações. De fato, é corrente na linguagem médica e na linguagem geral o uso de qualquer com o sentido de nenhum, o que lhe dá legitimidade segundo boas normas amplamente apregoadas por bons linguistas. Apesar de ser muito adotada essa equivalência, há questionamentos de bons profissionais de letras a respeito, o que pode ser oportuno conhecer.

Uma das razões é a mudança do sentido principal de qualquer, que indica essencialmente e tradicionalmente positividade. De qual e de querqual quer na forma arcaica, qualquer indica “o que quiser”, ou “o que quer que seja”, com inespecificidade quanto ao que se refere, como está no Grande dicionário etimológico e prosódico da língua portuguesa, de F. Silveira Bueno (Bueno, 1963-1967).

Nesse contexto, observem-se as consignações dicionarizadas como primeiro sentido de qualquer. Aurélio (Ferreira, 2009): designa coisa, lugar ou indivíduo indeterminado. Houaiss (2009): designativo de pessoa, objeto, lugar ou tempo indeterminado, equivalendo a um, uma; algum, alguma. Dicionário da língua portuguesa contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa (Academia, 2001): todo o elemento de um grupo de pessoas ou coisas, indiferenciada e indeterminadamente, sendo parafraseável por “não importa qual”, “este ou aquele”. Dicionário Unesp (Borba, 2004): usado para referir-se indeterminadamente a pessoa ou coisa, não importa qual. Aulete (1980): serve para indicar um indivíduo um lugar ou um objeto indeterminado e equivale a um ou outro, uma ou outra, este ou aquele, esta ou aquela.

Por motivo de clareza, mas sem inflexibilidades ou preconceitos, em linguagem formal científica ou acadêmica, pode-se usar, sempre que for possível, cada palavra de acordo com sua classe gramatical, ou seja, substantivo como substantivo, adjetivo como adjetivo, pronome como pronome, verbo como verbo e outros casos, exceto se não houver outra opção.

Com o mesmo objetivo de nitidez, também sem radicalismos, é importante buscar o uso de cada palavra em seu sentido principal ou próprio, em geral, dado nos bons dicionários como o primeiro sentido, para, assim, evitar aplicações figurativas, por extensão, gírias, regionalismos, modismos, neologismos e estrangeirismos desnecessários, sobretudo quando possam causar obscuridades e questionamentos.

Com efeito, o uso de qualquer por nenhum pode causar ambiguidade ao incorrer em desvio de sentido essencial de qualquer. Isso pode configurar imperfeição redacional do ponto de vista da linguagem acadêmica, conforme, entre outros gramáticos, ensina Cegalla (1999): “Ambiguidade. Defeito da frase que apresenta mais de um sentido, mais de uma interpretação”. Se dissermos, por exemplo: “Não quero qualquer remédio”, há dubiedade de sentido. Poderemos completar: “O que quero é aquele que o médico receitou”. Mas, se dissermos “Não quero nenhum remédio”, a firmação torna-se clara. Não cabem complementações nem outras interpretações quanto ao seu sentido, sem, portanto, dubiedade. Para não questionar ou afetar a clareza, não se há, como uso preferencial, de acolher tal desvio semântico em textos formais, acadêmicos, científicos, normativos ou jurídicos,

Acrescentam-se, ainda, alguns estudos a respeito desse uso em comento. A rigor, há contraste de significado entre nenhum e qualquer. Nenhum, essencialmente, tem sentido de negatividade, significa nada em absoluto: Não há nenhuma dúvida a respeito do assunto. Tomou o remédio sem nenhuma objeção. O período pós-operatório transcorreu sem nenhuma complicação grave. A medicina será exercida sem nenhuma discriminação, ou seja, sem discriminação de nenhuma natureza. O ambulatório não tem nenhum paciente. Qualquer significa tudo, qualquer coisa ou pessoa. A proposição que em matemática duas negações significam positividade e, por conseguinte, se inferir que não...nenhum em português equivale a todos não subsiste à lógica elementar, visto que matemática e linguagem são saberes diferentes, já que matemática é ciência exata, fundamentada em cálculos objetivos, e linguagem, mesmo a gramatical normativa, prescinde desses princípios e baseia-se em convenções e na subjetividade humana. A matemática tem formulações cujos significados são os mesmos em toda parte. A linguagem tem formulações com significados de amplíssima variação. De fato, não se poderia pensar, como exemplo, que “Não quero nenhum remédio” significa “Quero todos os remédios”.

Pelo exposto, em proposições como “O paciente não apresenta qualquer sintoma de lesão esplênica”, “Não vai haver qualquer complicação”, “Não há qualquer problema”, o pronome qualquer pode ser adequadamente substituído por nenhum/a ou algum/a. Sugestões: “... não apresenta nenhum sintoma... (ou: sintoma algum)”, “Não vai haver nenhuma complicação (ou complicação alguma)”, “Não há nenhum problema (ou: problema algum)”.

Afirmam bons linguistas, com razão, que todas as formas existentes na linguagem são patrimônio do idioma. Nesse contexto, é legítimo o uso de qualquer no sentido de negatividade, e não cabe citar esse uso como errôneo ou mesmo indevido. No entanto, em linguagem formal, científica, técnica e acadêmica é preferencial, mas não exclusivo, o uso das regras gramaticais normativas por sua disciplina, organização e estrutura elaboradas e preconizadas por sérios e dedicados estudiosos do idioma através dos séculos. Além disso, tendo em vista as críticas existentes emanadas de instrutos profissionais de letras e por nenhum em rigor não ser sinônimo de qualquer (têm até sentido oposto), convém evitar usar sistematicamente ou como a opção correta o segundo em lugar do primeiro. Constitui bom senso evitar formas questionáveis, sobretudo no âmbito dos profissionais de letras, e optar por construções não questionáveis ou menos questionáveis. Isso pode ser possível em quase todos os casos.

Referências

1.        ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Portugal: Editorial Verbo, 2001.
2.        AULETE, Caldas, GARCIA, H., NASCENTES, A. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, 3.a ed., Rio de Janeiro: Delta, 1980.
3.        BORBA, Francisco S. Dicionário UNESP do português contemporâneo, São Paulo: Editora Unesp, 2004.
4.        BUENO, F. S. Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa, Saraiva, São Paulo, 1963-1967.
5.        CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, 2.a ed. revisada, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
6.        FERREIRA ABH, FERREIRA MB, ANJOS M. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, 4.ª ed. atualizada, 1.ª impressão, Curitiba: Ed. Positivo, 2009
7.        HOUAISS A, SALLES VM, FRANCO FMM. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1a ed, Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

Recém-nascido, lactente ou bebê ?

Bebê, como é bem conhecido, significa criança recém-nascida ou lactente, do francês bébé, criança, este do inglês baby, forma diminutiva de babe, criança, originalmente boneca, de baban ou babbon, provavelmente forma onomatopaica do som infantil ba, segundo  registros do etimologista Walter Skeat (2005).

Em português, bebê tem amplo uso nos registros informais. Como recém-nascido e lactente têm faixa etária estabelecida, o que lhes confere mais precisão, são termos preferenciais em relatos formais. Mas, como forma alternativa, bebê tem aparecido em relatos científicos formais.

E um anglicismo útil para evitar repetições daqueles nomes técnicos em um mesmo texto. Ocorre mesmo em nome de doença, como  em síndrome do bebê sacudido. Também em artigos científicos:


Alimentação do bebê prematuro e de muito baixo peso ao nascer: subsídios para a assistência de enfermagem em bercário (Pediatr. mod. 200036(5):282-6).

E de interesse comum dos autores de artigos científicos médicos conhecer muitos sinônimos, o que dá mais riqueza vocabular aos textos e evita dezenas de repetições como aparece comumente com o uso de paciente, devido a, apresentar, após, utilizar, demonstrar. E bem possível e interessante fazer um esforço extra para abrandar um pouco mais a dureza dos textos muito técnicos. O termo neném, de uso familiar, também aparece em relatos científicos, sobretudo em citações dos dizeres maternos em estudos de linguagem no relacionamento mãe e filho lactente.

Simônides Bacelar
Brasília, DF  

PS: se v. achou que bebês não são sujeitos de pesquisa, se enganou. Mas com o consentimento dos pais ou um representante legal e o caso terá de ser permitido com aprovação da Conep, Comissão Nacional de Etica em Pesquisa, do Ministério da Saúde  Isso é absolutamente necessário. Muitas doenças aparecem em bebês e muitos dos remédios são aprovados pela Anvisa para uso testado apenas em adultos. Mas é preciso conhecer as doses para crianças, inclusos os bebês.

10/11/2013

Necropsia branca. 

Termo usado para indicar, em medicina legal, ausência de achados que poderiam explicar a causa da morte. Exemplo: Durante uma necropsia, excepcionalmente pode ocorrer uma situação em que o indivíduo, vítima de morte súbita, não apresente registro de antecedentes patológicos, nem lesões orgânicas evidentes, além de não apresentar manifestações de agressão violenta. Esse fato registra informalmente o que se chama de "necropsia branca" (Alencar e cols. J. Bras. Patol. Med. Lab., vol.46, n.6 , p. 495, 2010). 

A expressão necropsia branca tem cunho coloquial. Está registrada no Dicionário de Medicina Legal, de Manif Zacharias  e cols., 1991. Em cirurgia, a expressão laparotomia branca passa a laparotomia não terapêutica em relatos técnicos e científicos formais. 

Talvez o nome necropsia não diagnóstica possa estar mais em conformidade com uma expressão técnica científica, já que descobrir causas de morte é a principal razão das necropsias, o mesmo, creio, que fazer diagnoses das condições que motivaram a morte do indivíduo cujo corpo se examina. 

Curiosamente, o nome branco procede do idioma germânico antigo, blanck, (blank em alemão atual)  com o sentido de brilhante, reluzente (Houaiss, 2009), o que explica o termo arma branca, já que facas, punhais, espadas, facões e outros cutelos do tipo são metálicos e brilham.
http://www.scielo.br/pdf/acb/v19n5/a19v19n5.pdf
http://www.rbccv.org.br/pdfRBCCV/v18n3a02.pdf

09/11/2013

Vítima fatal.

A vítima não é propriamente fatal, mas sim o acidente que a vitimou (L. Garcia, Manual de redação e estilo, 1996). Fatal é aquilo que matou, não aquele que morreu. Por exemplo: O doente não foi fatal, mas a doença que o vitimou.

Assim, se diz:

           morto por doença fatal;

           vítima de uma complicação fatal de shistossomose;

           veneno fatal;

           cirurgia fatal;

           reação alérgica fatal.

Do latim fatalis, do destino, funesto, mortal; de fatum, predição, oráculo, destino, fado, destino infeliz, desgraça (A. Ferreira, Dic. lat. port., 1996).

Conforme se lê no Houaiss (2009) e em outros dicionários de referência, fatal significa que é inevitável; que ocorre como se fora determinado pelo destino; que põe termo, que mata; funesto, mortal; que leva à infelicidade, à ruína; que é desastroso, nefasto;  que prenuncia ou faz prever desfecho trágico ou funesto. Fatal significa mortífero, que causa morte, que traz ruína ou desgraça. Por isso, é questionável logicamente a expressão “vítima fatal”: a vítima recebe a morte e não a produz. Trata-se então de uma ambiguidade

Fatal  é um golpe, um tiro, um acidente, uma pancada, um choque e nunca a vítima” (E. Martins, Manual de redação e estilo, 1977). “Fatal quer dizer que mata. A pessoa que perde a vida não mata. Morre. O acidente sim, mata, ele é fatal” (D. Squarisi, Dicas de português, Correio Braziliense, 25-5-2011, p. 5).

E oportuno notar que o uso de “vítima fatal” no sentido de vítima morta é comum, sobretudo na linguagem jornalística, o que se tornou fato da língua e isso legitima seu uso. Contudo, em linguagem científica formal, em que a clareza e a precisão são importantes qualidades de redação, recomenda-se usar fatal em seu sentido próprio. Assim, em lugar de “vítima fatal do acidente”, pode-se dizer: vítima de fatalidade, vítima morta por acidente fatal, ou apenas vítima de acidente fatal.

Simônides Bacelar
Médico, Brasília, DF

05/11/2013

melhora da dor.

Melhorar significa fazer prosperar, progredir, tornar superior. São ambiguidades usos como
“A dor melhorou”, 
“Paciente refere melhora da dor”,
“Houve melhora da dor no período da tarde”,
 “Esperar a dor melhorar” ,
“Criança melhorou a dor”.

Em relação à própria dor, melhorar é aumentar. Em rigor, é o paciente que melhora (ou piora), em relação aos sintomas ou sinais, não a dor, o sintoma, o sinal, a doença. Para o médico, a dor pode ser melhor para o diagnóstico quando esta aumenta de intensidade, por sua localização tornar-se mais identificada, pela melhor caracterização do tipo de dor.

Fica mais adequado substituir “melhora” por termos mais adequados e claros como diminuição, resolução, abrandamento, amenização, atenuação, alívio, suavização, redução quando se referir à intensidade da dor e a outros sintomas e sinais. Exs.:

“Paciente tem (ou está) melhorado da dor”,
“O paciente melhorou da dor”,
“Ele melhorou da febre”,
Paciente com melhora dos sintomas”. 
“A dor diminuiu de intensidade”, 
“A febre baixou”,
"Paciente melhorou dos sintomas".

Para expressar diminuição ou desaparecimento de eventos, não são ditos habitualmente: “a agonia melhorou”, “as convulsões ficaram melhores”, “a indisposição está melhor”, “os problemas melhoraram”, “as queixas ficaram melhorares”. Há dubiedade nessas construções. A mesma situação ocorre nas frases: “A doença melhorou”, “Houve melhora da hipertensão arterial”, “A caquexia está muito melhor” e outros casos.

A língua portuguesa é riquíssima em recursos. Exceto casos especiais, não é tão difícil procurar e achar modos mais adequados para nos expressarmos.

Simônides Bacelar
Médico, Brasília, DF

14/10/2013

Ovos estralados, estalados ou estelados

São nomes referentes a ovos fritos não mexidos. Se diz “ovos estrelados” por analogia a estrelas. Segundo Victoria (Dicionário de dificuldades, erros e definições de português,1956), designa o ovo que depois de frito toma a forma de estrela. Segundo Cegalla (Dic. de Dificuldades da L. Port., 2009), o adjetivo correto éestrelado e cita um exemplo de ovos estrelados em Graciliano Ramos.

No entanto, estralar é forma variante informal de estalar (Proença Filho, Por Dentro das palavras da Nossa L. Port., 2003, p. 113)dar estalos ou estralos como ocorre ao fritar ovos, o que justifica as formas ovos estralados ou estalados. O Houaiss dá estalar como equivalente a frigir ovos, um regionalismo brasileiro. Afirma Sacconi (Não erre mais, 2010) que o povo diz estalados por ouvir estalos assim que os ovos caem no óleo quente da frigideira.

O Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (2001) traz estralar como produzir ruídos secos, agudos e repentinos, dar estalos, o mesmo que estalar. Dicionários de referência como o Houaiss (2009) e o Michaelis (1998) dão o verbo estralar com remissão a estalar, com o que indicam ser esta última a forma preferencial.

São cognatos dicionarizados estraladeira, estralador, estralante, estralejar.  O Volp (Vocabulário Ortográfico, Academia Brasileira de Letras, 2009) dá registro oficial de estralar, estralo, estralada, estralado, estraladeira, estralador, estralante, estralejado, estralajamento, estralejante, estralejar, estralejo, bem como estalar, estalado, estalador, estaladura, estalante, estalo, estalido, estalir.

A origem é questionável. A etimologia mostra o termo astella, do latim vulgar ouastela, diminutivo de astula, pedaço de madeira, lasca, cavaco (Houaiss, 2009).

A justificação com a forma de estrela é questionável, pois ovos fritados tomam a forma circular, diversa da forma ciscundada de raios luminosos, comumente figurados como projeções em ângulos agudos à forma de uma estrela do mar.

Aos que preferem fugir a questionamentos, pode-se dizer ovos fritos.

Em medicina, a ingestão de ovos tem sido ligada ao aumento do teor orgânico do colesterol e a doenças cardiovasculares. Mas há controvérsias.
Em artigo publicado em 2013, pesquisadores da Universidade de Minnesota, EUA, acompanharam 9.734 pessoas de 25 a 74 anos durante duas décadas e demonstraram não haver relação entre o consumo regular de ovos e o aumento da incidência de doenças cardiovasculares, como infarto e derrame. Mas as frituras continuam como causa de doenças se consumidas com exagero por pessoas sedentárias.

Em outra publicação pela Universidade Estadual de Kansas, nos Estados Unidos, destaca-se um fosfolipídeo, ou lecitina, existente nos ovos, que dificulta a absorção do colesterol pelo intestino. De acordo com o estudo, o próprio ovo fornece um antídoto natural para evitar hipercolesterolemia adquirida(fonte: http://mdemulher.abril.com.br/saude/reportagem/alimenta-saude/ovo-nao-aumenta-taxas-colesterol-ajuda-perder-peso-753706.shtml).

Ovos devem fazer parte da dieta como importante fonte de proteínas. Ovos fritostêm mais calorias, maior teor de gorduras totais e colesterol. Usa-se com pouco óleo e frequência moderada. Em regimes dietéticos preferencialmente se programam ovos cozidos.

Simônides Bacelar
Brasília, DF

11/10/2013

Mosqueteamento

Neologismo de raro uso médico, como em "mosqueteamento de pele", que se refere a lesões hemorrágicas múltiplas na pele à semelhança de lesão causada por tiro de mosquete. Não há seu registro oficial no Vocabulário Ortográfico da Acad. Bras. de Letras (2009). Os dicionários dão mosquetada, ferimento . causado por tiro de mosquete, e mosquetear, o que justifica dizer pele mosqueteada.para indicar lesão causada na pele por tiro de mosquete.

Simônides Bacelar
Hosp. Univ. de Brasília, DF

07/10/2013

Agudo – crônico 

A fase aguda de uma doença compreende o período de até dois meses (Céu Coutinho, Dic. Médico Enciclopédico, s.d.; Larousse Medical Illustré, 1971). A maioria dos dicionários e compêndios de semiologia não define o tempo em que um a doença deixa de ser aguda para ser crônica. Referem algo vago como “curto período” para a fase aguda e “longo período” quanto à fase crônica.

Por motivo de acuidade científica, didática ou administrativa é necessário assentar alguma uniformização. Em medicina, é impróprio referir agudo por súbito, intenso, ou crônico por prolongado em relação a condições que não sejam duração ou fase de doenças ou manifestações destas (N. Spector, manual para redxação de teses..., 2001, p. 69), como diálise crônica, nutrição parenteral crônica, uso crônico de medicamentos, tratamento crônico, usuário crônico de drogas, desejo agudo de urinar, mudança aguda de comportamento.

Literalmente, crônico quer dizer relativo ao tempo, do grego, khronós, tempo, o que se dá como sentido próprio em dicionários como o Aurélio (2009) e outros usos dixionarizados, como persistente, inveterado, entranhado (Aurélio, 2009).

Simônides Bacelar
Hosp Univ de Brasília, DF

04/10/2013

Grande maioria

Expressão questionável, que pode figurar como pleonasmo, pois a maioria é sempre grande, a maior parte ou quantidade. Pode-se dizer maioria expressiva, quase a totalidade, quase todos, grande parte, a maior parte. É justificável dizer imensa maioria. Ex.: A grande maioria da (quase toda a) população (95%) relatou ser consumidora de café.

Ao se referir especificamente à maioria com apenas um elemento a mais que as outras partes comparadas leva-se em consideração a quantidade total de elementos que representa a maioria, não a unidade ou as unidades sobressalentes, cujo número pode ser pequeno, não a maioria, que continuará grande.  Assim, a maioria não poderia ser comparativamente pequena, é sempre grande, maior, ou não é a maioria. Fato semelhante, mas ao contrário, ocorre com pequena minoria.

Embora as expressões grande minoria ou pequena maioria sejam compreensíveis, convém evitar termos que possam induzir a trocadilhos se não for expressivamente necessário.

Simônides Bacelar
Brasília, DF